Poesia Viva

domingo, maio 07, 2006

"Por causa da cor do trigo..."



Hoje sinto-me melancólica...
Lembrei-me de Saint Exupéry, quando fez a dedicatória do seu mais conhecido livro, o Principezinho... Dizia ele que pedia desculpa às crianças por dedicar esse livro a um adulto, mas esse adulto estava naquele momento a sofrer. Além disso, aquele adulto compreendia tudo, até os livros para crianças. Finalmente, dedicou o livro à criança que aquele amigo adulto um dia tinha sido...

Esta madrugada já estamos no dia da Mãe... Mas, tal como Saint Exupéry, em vez de dedicar este post apenas à minha Mãe, eu gostaria de dedicá-lo também aos meus filhos e àqueles amigos que neste momento estão a sofrer...

Os Budistas acreditam que todos estamos inter-ligados... Todos já fomos, ou ainda viremos a ser, "mães" uns dos outros... E todos podem ser vistos e amados como "nossas mães". Para ocidentais esta ideia pode parecer, à primeira vista, uma tontice ... e no entanto, talvez não seja assim tão disparatada... Todos dependemos uns dos outros, todos nos alimentamos de muitas formas, sejam elas nutritivas, afectivas ou intelectuais... Todos trocamos os sinais que fazem de nós, quando tudo corre bem, mais humanos, mais abertos, mais puros e calorosos, mais simples, como crianças alegres de verem tudo quanto as rodeia.

Há nessa forma de ser no mundo uma permanente descoberta que, embora desapegada, não está liberta de um profundo sentimento de GRATIDÃO para com todos...

Parece isto muito vago e incompreensível? Bem, então deixem-me explicar com um exemplo:

Quando eu era criança, naquela grande casa sombria mas naquela época profundamente fraterna que ficava no Campo de Santana, havia duas senhoras idosas que costumavam visitar-nos e que sempre traziam, no fim de semana, uma latinha cheia de deliciosos suspiros! A latinha "morava" num armário da casa de jantar que sempre possuia, para mim, um cheiro único e convidativo a suspiros... As longas tardes da infância, quando as sombras já se arrastavam nos corredores um pouco sombrios, eram habitadas pelo canto dos pássaros e pelo aroma dos suspiros confeccionados pelas duas senhoras...

É extraordinário como qualquer simples recordação pode conter uma tal profundidade de referências - sobretudo as não explícitas... E como, a partir de um único movimento de gratidão na nossa Alma, um rosário enorme de amor, amizade e cumplicidades imediatamente se desata, como num filme em que víssemos passar à nossa frente todos quantos nos fizeram algo, por mais mínimo.

Sentimos, então, a incrível Bênção que é a VIDA, mesmo quando tenha problemas e obstáculos, e lembramos com uma Saudade que quase nos sufoca os que já partiram, mas sabemos que estão também por dentro de nós... nunca deixarão de ser nossas Mães e nossos Filhos.

Aos meus Pais e aos meus Filhos - por tudo quanto me têm ensinado - ao meu Querido e Bem Amado Companheiro, quero hoje sussurrar "obrigada" - mas apenas com a Alma, com um coração a transbordar como um jardim florido.

Mas a todos os amigos que agora estão a passar provações, envio o perfume daqueles suspiros, a sombra dos corredores tardios, a cor forte das flores do Jacarandá...

Todos deixaram em mim marcas indeléveis, para vós vai neste momento também irrepetível todo o azul do meu céu.

Isabel

Lisboa, 07 de Maio de 2006.

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