Ainda as Recordações de Lisboa...
A minha Amiga Ana diz que o post das Castanhas assadas lhe fez lembrar os antigos pregões de Lisboa, os amoladores que percorriam a cidade gritando pela clientela e todos aqueles factos que naquele tempo faziam parte do quotidiano sem causar estranheza e que agora já não existem.
O seu comentário trouxe-me recordações da minha primeira infância... no Campo de Santana, em Lisboa...
As manhãs calmas e solarengas estendiam-se interminavelmente para uma criança...
Os sons de Lisboa íam mudando ao longo do dia, desde os pregões da senhora que, ao fundo da rua, à esquina com a Luciano Cordeiro, vendia os jornais, ao homem da hortaliça, que passava manhã cedo e depois de novo perto da hora do almoço, na sua carroça puxada por um macho.
"É o Popular!" - gritava ela a plenos pulmões, com uma voz que eu imaginava ter sido treinada especialmente para atingir aquela força... "É o Popular!!!!"
Do meu quarto, num rez do chão quase na esquina com a Rua Gomes Freire, ouvia os gritos do "homem da hortaliça" ainda antes da sua carroça descrever a curva... Ele parava o macho do outro lado da estrada (hoje seria considerado contra-mão) e berrava a plenos pulmões. "É a hortaliça fresquinha!" As senhoras e algumas empregadas chegavam à janela e apressavam-se a atravessar, rodeando a carroça antes que esta continuasse a descer a rua... Ainda fazia uma paragem mais abaixo, na esquina com a Luciano Cordeiro, onde já estava "no seu posto" a fortíssima senhora cujos berros de "É o Popular!!!" atroavam todo o Campo de Santana...
De vez em quando, era o pregão do "Amola tesouras e navalhas" que se fazia ressoar... no meio do barulho característico do carrinho que empurrava e dos apetrechos que utilizava para amolar as tesouras e navalhas que alguns acorriam a trazer-lhe...
Ao fim da noite, era o Guarda Nocturno que passava, assobiando baixo e, frequentemente, verificando as portas dos prédios e cumprimentando as pessoas que conhecia. Parava para falar com alguém ou ajudar alguma velhota a abrir uma porta mais perra...
Quando os Pais saíam, ficava às vezes, por entre os vidros da janela, as luzes apagadas, a ver passar os elétricos que dali seguiam até ao Cais do Sodré...
O Campo de Santana era assim matizado, ao longo de um dia inteiro, de todas as cores, cheiros e sons. E essas impressões indeléveis ainda podem facilmente ser despoletadas por algo tão simples quanto o comentário da Ana.
Hoje, por trás do Campo de Santana (actualmente mais conhecido como Campo dos Mártires da Pátria) ainda há umas ruas estreitas que parecem o bairro de uma aldeia e onde toda a gente se conhece. Ainda se sente em toda a vizinhança, uma Amizade que transborda das pessoas que constantemente se vêm passar, a ir ao pão ou ao jornal, ao quiosque do Sr. Rajá, ou às Leitarias... Mas já não há pregões matinais, homens da hortaliça ou "amola tesouras e navalhas"...
Isabel
(Fotos e Lisboa de Isabel).
5 Comments:
At terça-feira, 24 de janeiro de 2006 às 21:23:00 WET, Pedro Melo said…
Olá!!!
Antes de mais, parabens pelo belo Blog que aqui têm!
Fiquei maravilhado ao ler as belas palavras que nele contem assim como me deliciei e delicio com as fotografias!!!
É tambem bom ver que afinal este "mundo virtual" não é assim tão grande e que posso encontrar muita gente conhecida!
Assim, reservei um lugar para o vosso blog nos meus favoritos e virei ca sempre que possa!
Obrigado tambem pelos vossos comentários no meu!
Saudações:
Pedro Melo.
At terça-feira, 24 de janeiro de 2006 às 21:57:00 WET, Isabel José António said…
Querido Pedro,
Esta forma virtual de sermos solidários também é, com efeito, muito bonita e real, de um certo ponto de vista! Às vezes, ter amigos, mesmo "online", é muito animador.
Pois também te iremos visitar muitas vezes, as tuas fotos para além de maravilhosas às vezes são tiradas de perspectivas inesperadas e surpreendentes. Parabéns! Até breve!
Isabel e José António
At terça-feira, 24 de janeiro de 2006 às 23:12:00 WET, joao firmino said…
Pois é Isabel, crescemos em Lisboa e durante muitos anos as marcas da cidade impregnaram-se dentro da alma. E agora, ao ver as tuas fotos e as tuas palavras, vejo o quanto amamos tão profundamente esta fantástica cidade.
Andámos na mesma escola?
Um grande abraço.
João
At terça-feira, 24 de janeiro de 2006 às 23:35:00 WET, Isabel José António said…
João,
Contigo fui muitas vezes passear para a zona do Príncipe Real, lenbras-te? É um sítio bonito. Qualquer dia tenho que saír por aí a fazer umas fotos...
At terça-feira, 24 de janeiro de 2006 às 23:36:00 WET, Isabel José António said…
João,
Contigo fui muitas vezes passear para a zona do Príncipe Real, lenbras-te? É um sítio bonito. Qualquer dia tenho que saír por aí a fazer umas fotos...
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