Poesia Viva

terça-feira, janeiro 24, 2006

Ainda as Recordações de Lisboa...


A minha Amiga Ana diz que o post das Castanhas assadas lhe fez lembrar os antigos pregões de Lisboa, os amoladores que percorriam a cidade gritando pela clientela e todos aqueles factos que naquele tempo faziam parte do quotidiano sem causar estranheza e que agora já não existem.

O seu comentário trouxe-me recordações da minha primeira infância... no Campo de Santana, em Lisboa...


As manhãs calmas e solarengas estendiam-se interminavelmente para uma criança...
Os sons de Lisboa íam mudando ao longo do dia, desde os pregões da senhora que, ao fundo da rua, à esquina com a Luciano Cordeiro, vendia os jornais, ao homem da hortaliça, que passava manhã cedo e depois de novo perto da hora do almoço, na sua carroça puxada por um macho.

"É o Popular!" - gritava ela a plenos pulmões, com uma voz que eu imaginava ter sido treinada especialmente para atingir aquela força... "É o Popular!!!!"

Do meu quarto, num rez do chão quase na esquina com a Rua Gomes Freire, ouvia os gritos do "homem da hortaliça" ainda antes da sua carroça descrever a curva... Ele parava o macho do outro lado da estrada (hoje seria considerado contra-mão) e berrava a plenos pulmões. "É a hortaliça fresquinha!" As senhoras e algumas empregadas chegavam à janela e apressavam-se a atravessar, rodeando a carroça antes que esta continuasse a descer a rua... Ainda fazia uma paragem mais abaixo, na esquina com a Luciano Cordeiro, onde já estava "no seu posto" a fortíssima senhora cujos berros de "É o Popular!!!" atroavam todo o Campo de Santana...

De vez em quando, era o pregão do "Amola tesouras e navalhas" que se fazia ressoar... no meio do barulho característico do carrinho que empurrava e dos apetrechos que utilizava para amolar as tesouras e navalhas que alguns acorriam a trazer-lhe...

Ao fim da noite, era o Guarda Nocturno que passava, assobiando baixo e, frequentemente, verificando as portas dos prédios e cumprimentando as pessoas que conhecia. Parava para falar com alguém ou ajudar alguma velhota a abrir uma porta mais perra...

Quando os Pais saíam, ficava às vezes, por entre os vidros da janela, as luzes apagadas, a ver passar os elétricos que dali seguiam até ao Cais do Sodré...

O Campo de Santana era assim matizado, ao longo de um dia inteiro, de todas as cores, cheiros e sons. E essas impressões indeléveis ainda podem facilmente ser despoletadas por algo tão simples quanto o comentário da Ana.


Hoje, por trás do Campo de Santana (actualmente mais conhecido como Campo dos Mártires da Pátria) ainda há umas ruas estreitas que parecem o bairro de uma aldeia e onde toda a gente se conhece. Ainda se sente em toda a vizinhança, uma Amizade que transborda das pessoas que constantemente se vêm passar, a ir ao pão ou ao jornal, ao quiosque do Sr. Rajá, ou às Leitarias... Mas já não há pregões matinais, homens da hortaliça ou "amola tesouras e navalhas"...

Isabel

(Fotos e Lisboa de Isabel).

5 Comments:

  • At terça-feira, 24 de janeiro de 2006 às 21:23:00 WET, Blogger Pedro Melo said…

    Olá!!!

    Antes de mais, parabens pelo belo Blog que aqui têm!

    Fiquei maravilhado ao ler as belas palavras que nele contem assim como me deliciei e delicio com as fotografias!!!

    É tambem bom ver que afinal este "mundo virtual" não é assim tão grande e que posso encontrar muita gente conhecida!


    Assim, reservei um lugar para o vosso blog nos meus favoritos e virei ca sempre que possa!

    Obrigado tambem pelos vossos comentários no meu!

    Saudações:


    Pedro Melo.

     
  • At terça-feira, 24 de janeiro de 2006 às 21:57:00 WET, Blogger Isabel José António said…

    Querido Pedro,

    Esta forma virtual de sermos solidários também é, com efeito, muito bonita e real, de um certo ponto de vista! Às vezes, ter amigos, mesmo "online", é muito animador.

    Pois também te iremos visitar muitas vezes, as tuas fotos para além de maravilhosas às vezes são tiradas de perspectivas inesperadas e surpreendentes. Parabéns! Até breve!

    Isabel e José António

     
  • At terça-feira, 24 de janeiro de 2006 às 23:12:00 WET, Blogger joao firmino said…

    Pois é Isabel, crescemos em Lisboa e durante muitos anos as marcas da cidade impregnaram-se dentro da alma. E agora, ao ver as tuas fotos e as tuas palavras, vejo o quanto amamos tão profundamente esta fantástica cidade.
    Andámos na mesma escola?
    Um grande abraço.
    João

     
  • At terça-feira, 24 de janeiro de 2006 às 23:35:00 WET, Blogger Isabel José António said…

    João,

    Contigo fui muitas vezes passear para a zona do Príncipe Real, lenbras-te? É um sítio bonito. Qualquer dia tenho que saír por aí a fazer umas fotos...

     
  • At terça-feira, 24 de janeiro de 2006 às 23:36:00 WET, Blogger Isabel José António said…

    João,

    Contigo fui muitas vezes passear para a zona do Príncipe Real, lenbras-te? É um sítio bonito. Qualquer dia tenho que saír por aí a fazer umas fotos...

     

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