Numa noite as lágrimas...
A mulher não era nova nem velha.
Da juventude, ficara-lhe ainda o brilho dos olhos, grandes como perguntas e o sorriso pronto...
Mas no corpo trazia as marcas da vida: marcas de lutas antigas e actuais, do trabalho, das noites mal dormidas, dos filhos amamentados e criados e de tantos sonhos, tantos, uns mortos e outros realizados...
Mas apesar de tudo isso, apesar das lutas e do cansaço, a mulher ficou feliz quando o seu corpo mudou, anunciando talvez um filho tardio...
As manhãs e os dias escondiam no seu ventre a expectativa, o sonho, a imagem dessa criança que nunca suposera tão desejada, como um bálsamo há muito esperado... E a esperança de vida dentro de si, mesmo fora de tempo, pôs um misterioso sorriso na face cansada mas iluminada de expectativa...
Os dias passavam-se e reforçava-se já a ideia da criança. Podia quase vê-la, sempre de olhar límpido e risonho... e nos seus ouvidos ressoava o riso dobrado da criança...
Os dias sucediam-se em ritmo alucinante, entre o trabalho, os filhos, as consultas de rotina deles e, agora, também as suas. Sabia que a generalidade das pessoas lhe teria dito que era loucura, depois de vários filhos crescidos, ter este sonho - inapropriado para esta sociedade apressada e fria - de trazer no ventre mais um filho!
A cada novo dia que passava sem que o sonho fosse desfeito, ficava ainda mais convicta de que este seria o seu último sonho de meninice, trazendo-lhe paz e ternura.
Por isso, quando os médicos lhe explicaram que o seu ventre albergava um tumor, em vez de uma criança, a mulher sentiu que lhe roubavam - não apenas o que lhe restava das entranhas - mas o seu sonho derradeiro.
Depois dos exames, chegando a casa viu que sangrava - e este sangue, que não trazia vida nem marcava ritmo de vida - fez com que, finalmente, as suas lágrimas caíssem.
Com elas amortalhou o sonho da criança que nunca existiu, senão no seu coração.
Ainda a vê, ainda ouve as suas gargalhadas... mas sabe que essa criança, sua não será.
(Texto de Isabel e foto de José António)
5 Comments:
At sábado, 10 de dezembro de 2005 às 00:38:00 WET, Jorge Moreira said…
Querida Isabelinha!
Queria partilhar contigo a dor que me avassala a alma, saber que tu, nobre ser, passas um momento doloroso.
Queria partilhar contigo, como gostaria de saber a poção mágica, para aliviar a tua dor num só “click “.
Queria partilhar contigo, o quanto admiro a Luz que emanas, a Força em que te moves, a Sabedoria que transmites e o Amor que irradias.
Queria Partilhar contigo que tens a Luz, a Força, a Sabedoria, o Amor e os Amigos necessários, para transmutar a dor e a doença num simples acidente de percurso, da longa Caminhada que percorres.
Queria partilhar contigo, que embora sofras não estás só. Tu sabes!
Queria partilhar contigo que estou disponível para ajudar a aliviar a tua dor naquilo que estiver ao meu alcance. Assim o farei!
Um Grande Abraço, com votos de recuperação rápida.
Fica bem!
At sábado, 10 de dezembro de 2005 às 00:51:00 WET, Isabel José António said…
Querido Amigo,
As tuas palavras são um bálsamo formidável! Bem hajas! Um grande xi coração.
Isabel
At domingo, 11 de dezembro de 2005 às 09:27:00 WET, Conceição Paulino said…
vim lendo de cima para baixo o k, neste momento, foi um erro. Ou talvez não. Tudo o k existe é perfeito mm k nós o não compreendamos.Tenho k o lembrar amim própria.
A criança foi e será smp tua. Existe em ti, na tua vontade e no teu/vosso amor. Não terá um corpo físico mas existe lá para vocês. Espera um dia...O tempo é uma torrente sem princípio nem fim e a vida uma sucessão de vidas.Um dia essa criança tomará um corpo.Mas não agora. Não era o tempo de o fazer.
Agora o k importa é regenerar o teu corpo físico e k na tua alma a força se revigore e não quebrante. Recebe, com ternura, o meu carinho e apoio e muita luz e força.
At domingo, 11 de dezembro de 2005 às 11:22:00 WET, Isabel José António said…
Querida Tmara,
Muito obrigada, enganei-me e respondi-lhe no post de cima!
Um abraço de ambos!
Isabel
At domingo, 11 de dezembro de 2005 às 14:35:00 WET, joao firmino said…
A beleza das tuas palavras faz chorar a vida. A claridade do acontecimento faz iluminar o vazio da noite.
E se foi para derramares as lágrimas contidas choraremos todos em uníssono.
Não consigo dizer mais nada.
Ainda bem que partilhaste connosco.
João
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